domingo, 19 de julho de 2009

RG em pauta

Quando é que perdemos o fio da meada? Essa linha tênue que na brutalidade cotidiana se esvai.Em que ponto exato percebemos que certas coisas parecem não fazer mais o menor sentido? Quando é que perdemos a identificação que até então nos unia a algo ou alguém? E desce garganta abaixo uma sensação maldita, formigando o coração e a cuca.

Será que toda essa velocidade nos distrai? E com essa aceleração quantas coisas essenciais ficam estanques? Você está regando a fina flor dos seus desejos, seus prazeres, seus sábados e domingos, seu ócio, seu sexo, sua gula?

Onde é que deixamos de ser tão puros? Em que momento a fotografia revela rigidez no rosto e a falta de um viço que era constante? Conseguiu reparar?

A tecnologia atravessou nosso caminho. Logo nós que amávamos cartas escritas a mão, onde percebíamos letras trêmulas, vorazes. Justo a gente que sempre precisou tanto de abraço e aprendeu a doar apesar de tantos bloqueios da infância. Essa modernidade toda, essa pós-modernidade que nos impõe a aceitação do híbrido mas nos deixa esquecer tanto quem de fato somos.

Fecho os olhos e me vejo na cozinha da casa de minha avó, ouvindo por tabela o rádio que ficava em cima do aparador e as notícias que me invadiam, os comerciais varejão, os debates afoitos sobre qualquer coisa e o cheiro de café e bolinhos de chuva. Vejo minha mãe me chamando para ouvir uma música de Noel Rosa que me impressionava, me emocionava e hoje não consigo cantá-la na íntegra mas graças a Deus ainda me lembro de todas as músicas que entraram em mim como uma faca., de muitas emoções que se combinavam com as minhas e eu ainda não sabia.

Tenho saudade do barulho do liquidificador e da dança louca com minhas irmãs enquanto durava esse ruído. Esse tempo vivido assim, me dá saudade. Ainda havia tempo de contar e ouvir as mesmas histórias um milhão de vezes. Falávamos dos livros que precisávamos ler. Ainda guardo um exemplar de Fernão Capelo Gaivota, com dedicatória de meu pai. Onde foram parar as dedicatórias? E onde ficou guardado o desejo de compartilhar e dar tempo a isso?

A saudade é um lugar em meu peito. Tenho espaço pra ela, sei o seu exato tamanho e isso não me torna nostálgica. Não desejo voltar a nenhum tempo. O que preciso é não esquecê-lo a final eu também moro lá. E ainda devo tantas coisas aquela menina quieta, com olhos grandes e com tantas perguntas que incomodavam os adultos.

Não quero esquecer tantas outras pessoas e coisas que me aumentaram tanto a humanidade. A vida não pode passar no mesmo ritmo que o mundo hoje nos impõe. Falo da vida vivida com amor, com curiosidade, com cheiros , tons e sons. Quero essa existência que me permita refletir, escrever, divagar sobre tantas, tantas coisas. Porque a minha arma contra o superficial e contra o mesmo, são as palavras. É articulando que penso, que consigo ter noção de doses, de ponteiros, de dimensões. E deixo que fluam, as palavras, desarmônicas ou não. É preciso não enlouquecer (ainda).

2 comentários:

Ana Paula Rezende disse...

Lindo demais!
As histórias amenizam a saudade...enredo....eu tbconheço esse enredo.essa músia....essliquidifcador....rsrs
bijos amo vc!

Vito disse...

Honesto, belo, perfeito. Obrigado por tê-lo escrito.
Vito Diniz.