segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Por favor,cativa-me.


Vira e mexe estou eu relendo os mesmos livros, ouvindo as mesmas músicas. Tem coisas que sempre nos emocionam, nos arrebatam como se fosse sempre uma primeira vez. Será que tomam novos significados?
Resolvi transcrever um dos diálogos mais lindos da literatura mundial. A gift...

Após um longo e sábio caminhar, o Pequeno Príncipe, dispôs-se a descansar...

“E foi então que apareceu a raposa:
– Bom dia – disse a raposa.
– Bom dia – respondeu educadamente o Pequeno Príncipe, que, olhando a sua volta, nada viu.
– Eu estou aqui, – disse a voz, debaixo da macieira...
– Quem és tu? – perguntou o principezinho. – Tu és bem bonita...
– Sou uma raposa – disse a raposa.
– Vem brincar comigo – propôs ele. – Estou tão triste...
– Eu não posso brincar contigo – disse a raposa. – Não me cativaram ainda.
– Ah! Desculpa – disse o principezinho. Mas, após refletir, acrescentou:
– Que quer dizer "cativar"?
– Tu não és daqui – disse a raposa.
– Que procuras?

– Procuro os homens – disse o Pequeno Príncipe.
– Que quer dizer cativar?
– Os homens – disse a raposa – têm fuzis e caçam.
É assustador! Criam galinhas também. É a única coisa que fazem de interessante. Tu procuras galinhas?

– Não – disse o príncipe. – Eu procuro amigos.
– Que quer dizer “cativar”?
– É algo quase sempre esquecido – disse a raposa.
Significa "criar laços"...
– Criar laços?
– Exatamente, disse a raposa. Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim.
Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas.
Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo...
– Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens também.

Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol.
Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros me fazem entrar debaixo da terra.
Os teus me chamarão para fora da toca, como música.

E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo?

Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! – Mas tu tens cabelos dourados.

E então serás maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo, que é dourado, fará com que me lembre de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...

A raposa calou-se e observou muito tempo o príncipe:
– Por favor, cativa-me! disse ela.
- Eu até gostaria – disse o principezinho – mas eu não tenho
muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a
conhecer.
– A gente só conhece bem as coisas que cativou – disse a raposa.

– Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma.
Compram tudo já pronto nas lojas.
Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos.
Se tu queres um amigo, cativa-me!

– Que é preciso fazer? – perguntou o pequeno príncipe.

– É preciso ser paciente – respondeu a raposa

– Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva.
Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada.
A linguagem é uma fonte de mal-entendidos.
Mas cada dia, te sentarás um pouco mais perto...

No dia seguinte o príncipe voltou.
– Teria sido melhor se voltasses à mesma hora – disse a raposa.
– Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz! Quanto mais a hora for chegando, mais me sentirei feliz! Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade!

Assim o pequeno príncipe cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da partida, a raposa disse:

– Ah! Eu vou chorar.

– A culpa é tua – disse o principezinho. – Eu não queria te fazer
mal; mas tu quiseste que eu te cativasse...

– Quis – disse a raposa.

– Então, não terás ganho nada!

– Terei, sim – disse a raposa – por causa da cor do trigo.

Depois ela acrescentou: – Vai rever as rosas. Assim, compreenderás que a tua é a única no mundo. Tu voltarás para me dizer adeus, e eu te presentearei com um segredo.

O pequeno príncipe foi rever as rosas:[...]. “ E ao voltar dirigiu-se à raposa:

– Adeus... – disse ele.

– Adeus – disse a raposa.

– Eis o meu segredo:


É muito simples: só se vê bem com o coração.

O essencial é invisível aos olhos.”


“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.”


Texto: SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. Por Favor, Cativa-me [Título atribuído]
In: —. O Pequeno Príncipe. Trad. Dom
Marcos Barbosa. 48. ed. 15. impressão. Rio de Janeiro: Agir, 2004.
Cap. XXI, p. 66-74.



terça-feira, 8 de setembro de 2009

Por sabê-la

E eu azul. E eu desejo de amarelo. Amarelo sol. Amarelo ouro. Amarelo flor. Amarelo sorte.


Não dá pra negar nossa natureza. Podemos abafar um tempo, permanecer na pressão, mas eis que emerge de cara feia a essência que deixamos de lado em prol do bom andamento das coisas.

Essa chama interna, pessoal e intransferível, é quase outra alma, mais rústica, menos civilizada. Ela causa tantas vezes desconforto, simplesmente por se sabê-la e sobretudo por se negá-la.

Quando cai a ficha que ficamos passeando tempo demais longe dessa parte, que nos reparte, acaba por nos aliviar o peito que a essa altura se comprime e nenhum comprimido mais faz efeito.

Aí a gente se dá conta que precisa rir muito mais, resistir muito menos. Que ás vezes não é simplesmente possível oferecer um sorriso e é pra isso que existem os feriados, férias e mudanças de rota. Começa a incomodar mais as faturas, o excesso de boletos, as cobranças, a cara do porteiro, a falta de respostas, de entendimento. Quando chega esse ponto, o corpo quase está doente porque os pés querem correr, mas estavam numa espécie de corrente.

Será que é com a primavera que chega também essa impaciência? Será que é junto com ela que floresce na gente essa imperiosa necessidade de ampliar horizontes? Pode ser.

Tem uma árvore aqui pertinho que é mágica pura. Apenas por alguns parcos dias ela se acende de mil flores amarelas e atrai o olhar dos distraídos. Falo dela porque acho que somos tão parecidos com essa natureza, que por quase todo o ano cumpre suas funções esperadas, mas em alguns dias, semanas ou meses, precisa florescer e encantar. E acho que quando a gente se permite esse “desvio”, essa beleza genuína de desabrochar desejos, desabotoar fechos, todo o resto é inundado desse prazer, como se fosse um combustível, uma reserva para o próximo inverno.

Meu tanque está ficando vazio. Já vejo a luz amarela acender. Ela não se parece com a flor que admiro, mas tem a mesma cor, só pra me dizer em mensagem subliminar que está chegando a hora de abastecer minha alma e eu por enquanto só digo, como o Zeca Baleiro, calma alma minha, calminha...ainda não é hora de partir.