domingo, 28 de novembro de 2010

Nando. Ido. Sendo.


Um Nome Terra

para um coração fogo

Um corpo água

para uma alma ar

Árvores dele,

nossas anti bombas atômicas

Folhas tão verdes

de tribos indígenas distantes

Agora ele está lá:

num cocar , na relva,

no dialeto estranho

dos sem fronteiras.

(Agora tu és livre, como sempre foi tua natureza.)

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Ser indivíduo




A vida é mesmo cheia de atalhos, de percursos pesados, trechos escuros. Ainda bem que ela não é só isso. Ainda bem que são sempre quatro as estações e que nem todas as folhas permanecerão brancas ou vazias. Ainda bem que existe a dor, que é um alarme para colocarmos as coisas em seus devidos lugares.


Acho que posso enumerar milhões de coisas maravilhosas, que ainda bem , existem e são. Mas tudo vale muito mais a pena quando sabemos que a melhor companhia do mundo, é a nossa. Quando entendemos que as melhores coisas da vida só podem ser percebidas e desfrutadas quando somos de fato, indivíduos.


Isso de ser um não implica em egocentrismo, mas tem sido meu verdadeiro caminho para alguma sabedoria. Sente-se só quem não se conhece e quem não se gosta. Parece simples, mas não é.


Hoje vejo com tanta nitidez o quanto tantas pessoas não são inteiras e talvez nem metades. É um erro gigantesco acreditar que a felicidade está lá fora, está no passo de uma outra pessoa, na decisão de um camarada, na visita de um amigo, num abraço que não veio.


O mundo nos engrandece ou reduz. Os relacionamentos nos fazem crescer ou recuar. O que me parece ser a questão central é ser um indivíduo, com toda sua plenitude e prazer. Saber enxugar suas próprias lágrimas e a andar só, com a magnitude de um felino.


Se saber vivo, inteiro, pleno e capaz de fazer escolhas que estejam a altura do que somos. As decisões mais felizes são fruto de parâmetros estabelecidos pelos nossos limites e expectativas realistas. Pelo que entendemos como prazer genuíno, como acréscimo, valor real.


Estou aprendendo que podemos permitir ou não. Que quando avançamos limites, somos ferozmente violentados. Que a consciência da solidão humana dói, mas nos ensina coisas maravilhosas a respeito de nossa essência e da representação do outro.


Conversando com um amigo há algumas semanas, ele me disse que fez o caminho de Santiago, e lá, teve incríveis insights sobre a solidão humana. Eu não trilhei esse exato caminho ( que ainda pretendo), mas tivemos, mesmo em direções opostas, a mesma certeza. Essa consciência muda tudo. E para melhor. Não vamos mudar o mundo com nossos desejos e nem saberemos de fato, desejar, se não formos conscientes da nossa verdadeira natureza.


É só quando a gente se ama tanto assim que aprendemos a selecionar. Não vejo outra forma, outro caminho, para a real felicidade.
È preciso existir, primeiro e antes de tudo. É urgente sentir cheiros, sabores e texturas. Toda a percepção é única e pessoal. É preciso ver o mundo com os próprios olhos para saber onde ir , onde ficar e o que dividir.


Tudo isso parece assustadoramente óbvio, mas tem sido uma lição gigante e maravilhosa.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Para Ana

Ana,

Eu gosto daquele verso que te falei

(Nave, Ave, Moinho
e tudo mais serei
para que seja leve
meu passo
em vosso caminho)

Traduz leveza
(como você observou)
A paixão é um peso
escraviza
é contra a vontade da gente
tudo involuntário
e fora do controle
Não é bom
Nunca se está de fato feliz
ou em paz
É uma agonia
não remunerada.
Eu sei que você concorda comigo.
Sei também que essa parte da nossa conversa nos inspirou
e você me obrigou a escrever, a salvar em algum lugar esse trecho.

Sabe, é bom quando conversamos, nos entendemos
e apesar de tantas diferenças e dias e dias de distância, você sabe
que falamos uma língua parecida e tão esquisita pra tanta gente.

Depois me fala desse livro novo. Das coisas que eu sei que você sublinha. Todos os seus livros são riscados, têm anotações várias, á lápis. Eu sempre leio com mais atenção esses trechos.

Amo você desse meu jeito. É muito, creia. Vc sabe.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Amavisse ( de Hida Hilst)


Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro

Um arco-íris de ar em águas profundas.

Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.

Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

sábado, 16 de janeiro de 2010

Obscena por despir o coração - Hilda Hilst


Estou absolutamente fascinada pela poeta, pela devassa, pela incrível Hilda Hilst.

Dentre tantas palavras lindas, nuas e abertas, selecionei uma crônica absolutamente genial para compartilhar com quem possa interessar.


Tô Só
Crônica de Hilda Hilst para o "Correio Popular" de Campinas-SP

Vamo brincá de ficá bestando e fazê um cafuné no outro e sonhá que a gente enricô e fomos todos morar nos Alpes Suíços e tamo lá só enchendo a cara e só zoiando? Vamo brincá que o Brasil deu certo e que todo mundo tá mijando a céu aberto, num festival de povão e dotô? Vamo brincá que a peste passô, que o HIV foi bombardeado com beagacês, e que tá todo mundo de novo namorando? Vamo brincá de morrê, porque a gente não morre mais e tamo sentindo saudade até de adoecê? E há escola e comida pra todos e há dentes na boca das gentes e dentes a mais, até nos pentes? E que os humanos não comem mais os animais, e há leões lambendo os pés dos bebês e leoas babás? E que a alma é de uma terceira matéria, uma quântica quimera, e alguém lá no céu descobriu que a gente não vai mais pro beleléu? E que não há mais carros, só asas e barcos, e que a poesia viceja e grassa como grama (como diz o abade), e é porreta ser poeta no Planeta? Vamo brincá
de teta
de azul
de berimbau
de doutora em letras?
E de luar? Que é aquilo de vestir um véu todo irisado e rodar, rodar...
Vamo brincá de pinel? Que é isso de ficá loco e cortá a garganta dos otro?
Vamo brincá de ninho? E de poesia de amor?
nave
ave
moinho
e tudo mais serei
para que seja leve
meu passo
em vosso caminho.*
Vamo brincá de autista? Que é isso de se fechá no mundão de gente e nunca mais ser cronista? Bom-dia, leitor. Tô brincando de ilha.

* Trovas de muito amor para um amado senhor - SP: Anhambi, 1959.

(Segunda-feira, 16 de agosto de 1993)