Não dá pra negar nossa natureza. Podemos abafar um tempo, permanecer na pressão, mas eis que emerge de cara feia a essência que deixamos de lado em prol do bom andamento das coisas.
Essa chama interna, pessoal e intransferível, é quase outra alma, mais rústica, menos civilizada. Ela causa tantas vezes desconforto, simplesmente por se sabê-la e sobretudo por se negá-la.
Quando cai a ficha que ficamos passeando tempo demais longe dessa parte, que nos reparte, acaba por nos aliviar o peito que a essa altura se comprime e nenhum comprimido mais faz efeito.
Aí a gente se dá conta que precisa rir muito mais, resistir muito menos. Que ás vezes não é simplesmente possível oferecer um sorriso e é pra isso que existem os feriados, férias e mudanças de rota. Começa a incomodar mais as faturas, o excesso de boletos, as cobranças, a cara do porteiro, a falta de respostas, de entendimento. Quando chega esse ponto, o corpo quase está doente porque os pés querem correr, mas estavam numa espécie de corrente.
Será que é com a primavera que chega também essa impaciência? Será que é junto com ela que floresce na gente essa imperiosa necessidade de ampliar horizontes? Pode ser.
Tem uma árvore aqui pertinho que é mágica pura. Apenas por alguns parcos dias ela se acende de mil flores amarelas e atrai o olhar dos distraídos. Falo dela porque acho que somos tão parecidos com essa natureza, que por quase todo o ano cumpre suas funções esperadas, mas em alguns dias, semanas ou meses, precisa florescer e encantar. E acho que quando a gente se permite esse “desvio”, essa beleza genuína de desabrochar desejos, desabotoar fechos, todo o resto é inundado desse prazer, como se fosse um combustível, uma reserva para o próximo inverno.
Meu tanque está ficando vazio. Já vejo a luz amarela acender. Ela não se parece com a flor que admiro, mas tem a mesma cor, só pra me dizer em mensagem subliminar que está chegando a hora de abastecer minha alma e eu por enquanto só digo, como o Zeca Baleiro, calma alma minha, calminha...ainda não é hora de partir.