Eu poderia encher uma gaveta. Um espaço na cômoda para elas.
Quase todas, eu perdi.
Cartas, mil cartas que eu nunca entreguei.
Por que elas não saíram de casa? Por que elas não foram endereçadas?
As cartas, todas as cartas que eu nunca entreguei, são quase anônimas se eu não as soubesse. Se me faltasse a memória, mas não falta. Talvez eu já soubesse, antes de começar a escrevê-las, que elas jamais seriam lidas por outros. Quem sabe elas não fossem cartas que apenas precisavam ser escritas, para que houvesse apenas a certeza de que certos sentimentos existiram e só a mim diriam respeito?
As cartas que eu nunca entreguei eram denúncias. Funcionaram como um remédio, paliativo de alguma dor ou excesso. Elas eram talvez, cartas para mim mesma. Organização de algum caos emocional.
Mil vezes chorei relendo as cartas que escrevi e depois rasguei. Talvez parte de mim lamentasse minhas perdas. A parte que ainda pensa e pondera. E essa exata parte é que não permite que essas cartas partam. É a minha fatia de amor próprio e lucidez.
As cartas que eu nunca entreguei talvez sejam ensaios para um folhetim de terceira. Talvez não sejam nada além de delírios tímidos. Só sei que elas existem e muitas foram extintas, quando havia tinta e eram de papel. As outras, virtuais, foram escondidas em alguma pasta de codinome idiota pra nem eu reconhecer.
Talvez, do que restou, eu organize por datas ou temas. Talvez as exponha em alguma galeria, com tinta e desenhos em volta. Talvez eu dê uma de Sophie Calle e tenha como tema da arte a minha vida, misturada com fantasia, pra ninguém no final saber o que é verdade e o que é mentira.
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